Francisco Pizarro e a Queda do Império Inca
Francisco Pizarro, figura central na conquista do Império Inca, permanece como um personagem histórico de grande complexidade e controvérsia. Para alguns, ele foi um visionário e destemido conquistador, cuja ambição e habilidade militar permitiram a expansão do império espanhol para além dos Andes. Para outros, ele personifica a brutalidade e a destruição trazidas pelos europeus ao Novo Mundo, sendo um dos principais responsáveis pelo colapso do Império Inca e pelo sofrimento de milhões de indígenas. Essa dicotomia entre herói e vilão marca sua biografia e continua a gerar debates acalorados entre historiadores.
No imaginário europeu do século XVI, Francisco Pizarro encarnava o arquétipo do explorador destemido, aquele que, saindo de uma infância humilde e sem recursos, ascendeu ao status de líder militar e conquistador. Sua trajetória é, de certa forma, um reflexo do espírito da época, caracterizado pelo desejo de glória, riqueza e expansão territorial.
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Origens e Juventude
Sua história começa de forma humilde na Espanha, e seu percurso até se tornar o conquistador do Império Inca reflete uma trajetória de ambição, persistência e brutalidade.
Francisco Pizarro nasceu em Trujillo, na Coroa de Castela, por volta de 1478. Ele era filho ilegítimo de Gonzalo Pizarro Rodríguez de Aguilar, um militar espanhol de relativa importância, e de Francisca González, uma camponesa de origem humilde. Devido à sua condição de bastardo, Pizarro não teve acesso aos privilégios da nobreza e cresceu sem educação formal, o que contribuiu para sua fama de iletrado.
Sua infância foi marcada pela pobreza e pela falta de oportunidades. Diferente de outros conquistadores espanhóis que tiveram formação acadêmica ou treinamento militar formal, Pizarro passou sua juventude realizando trabalhos braçais e cuidando de porcos, algo que foi usado mais tarde por seus inimigos para desqualificá-lo. Entretanto, essa infância dura contribuiu para o desenvolvimento de uma personalidade resistente e determinada, características que o ajudariam em sua futura jornada de conquista.
Buscando melhores oportunidades, Pizarro deixou a Espanha no início do século XVI e viajou para o Novo Mundo. Em 1502, ele chegou a Hispaniola (atual República Dominicana e Haiti), onde começou sua carreira militar e exploratória ao serviço da coroa espanhola. Ele participou de expedições menores e logo demonstrou talento para liderança e combate.
A Descoberta do Pacífico
Sua primeira grande oportunidade veio em 1513, quando integrou a expedição de Vasco Núñez de Balboa, que cruzou o istmo do Panamá e descobriu o Oceano Pacífico. Essa expedição foi um marco na história da exploração europeia, pois demonstrou que o continente americano não era uma simples extensão da Ásia, mas uma terra desconhecida e vasta.
A travessia do istmo foi extremamente desafiadora, exigindo que os espanhóis enfrentassem terrenos acidentados, selvas tropicais e tribos hostis. Pizarro desempenhou um papel fundamental na segurança da expedição, combatendo ataques indígenas e garantindo a sobrevivência do grupo. Após semanas de dificuldades, Balboa e seus homens chegaram ao ponto mais alto do istmo e avistaram o imenso oceano desconhecido. Em um gesto simbólico, Balboa entrou nas águas e reivindicou o “Mar do Sul” para a Espanha.
Esse feito foi crucial para a exploração da costa oeste da América do Sul e deu a Pizarro uma visão da vastidão do continente e das possibilidades de conquista. Foi também durante esse período que ele começou a adquirir experiência em relações com povos indígenas, aprendendo táticas de negociação e guerra que utilizaria mais tarde.
O Período Pré-Invasão do Império Inca
Após a execução de Balboa em 1519, Pizarro permaneceu no Panamá e se estabeleceu como um dos principais comandantes espanhóis na região. Durante esse tempo, começaram a circular rumores sobre uma rica civilização ao sul, repleta de ouro e prata. Esses relatos despertaram sua ambição e o levaram a planejar expedições para explorar essas terras desconhecidas.

Entre 1524 e 1527, Pizarro, em parceria com Diego de Almagro e Hernando de Luque, organizou as primeiras expedições ao longo da costa do Pacífico. Essas incursões enfrentaram dificuldades extremas, como escassez de alimentos, ataques indígenas e condições climáticas adversas. Embora não tenham sido conclusivas, os relatos sobre a riqueza do Império Inca reforçaram sua determinação.
Em 1528, Pizarro viajou à Espanha para apresentar suas descobertas ao rei Carlos I, conseguindo permissão real para liderar uma grande expedição de conquista. Em 1531, ele partiu novamente rumo ao sul, determinado a capturar o Império Inca. Esse período foi marcado por sua habilidade política e por alianças estratégicas com grupos indígenas inimigos dos incas, preparando o caminho para a invasão que mudaria a história da América.
O Papel das Doenças na Conquista de Pizarro
Além das estratégias militares e políticas, um fator decisivo na conquista espanhola do Império Inca foi o impacto devastador das doenças trazidas pelos europeus. Varíola, sarampo, gripe e outras enfermidades desconhecidas pelos indígenas se espalharam rapidamente pela América do Sul, enfraquecendo populações inteiras e desestabilizando sociedades organizadas.
A varíola teve um papel fundamental na crise inca antes da chegada de Pizarro. A epidemia se espalhou pelo império nos anos anteriores à invasão espanhola, matando milhares de pessoas, incluindo o imperador Huayna Capac e seu herdeiro legítimo, Ninan Cuyuchi. Sem uma sucessão clara, o império mergulhou em uma guerra civil entre Huáscar e Atahualpa, enfraquecendo suas forças militares e políticas.
Quando Pizarro chegou ao território inca, encontrou uma sociedade já debilitada, com cidades despovoadas e um império fragmentado. Os espanhóis usaram esse caos a seu favor, enfrentando um inimigo que já estava reduzido e desmoralizado pelas perdas humanas causadas pelas doenças.
A falta de imunidade dos incas às novas enfermidades significou que cada contato com os espanhóis resultava em surtos mortais. Os soldados de Pizarro, em menor número, encontraram pouca resistência porque as doenças haviam destruído a infraestrutura inca, impossibilitando uma resposta coordenada contra os invasores.
O Sequestro de Atahualpa
A captura de Atahualpa foi resultado de uma estratégia meticulosa de Pizarro. O imperador inca, após derrotar seu meio-irmão Huáscar na guerra civil pelo controle do império, encontrava-se confiante e sem receio de enfrentar os espanhóis. Os incas viam os estrangeiros como figuras curiosas, mas não como uma ameaça real. Além disso, Atahualpa acreditava que poderia usar os espanhóis para consolidar seu poder sobre os remanescentes do exército de Huáscar.
Pizarro, percebendo a oportunidade, enviou emissários ao imperador oferecendo um encontro pacífico em Cajamarca. O líder inca aceitou, levando consigo milhares de guerreiros, mas sem considerar a possibilidade de um ataque traiçoeiro. Na praça central de Cajamarca, Atahualpa foi confrontado por Vicente de Valverde, um frade dominicano que lhe apresentou uma Bíblia e exigiu que aceitasse a fé cristã e se submetesse ao rei da Espanha. Quando Atahualpa rejeitou a oferta, alegando desconhecer a autoridade espanhola e jogando a Bíblia no chão, Pizarro deu início ao ataque.
Os espanhóis, munidos de armas de fogo, cavalaria e táticas de guerra superiores, atacaram de surpresa. O massacre foi brutal: milhares de incas foram mortos em poucas horas, enquanto os espanhóis não perderam nenhum homem. Atahualpa foi capturado e mantido prisioneiro. Sabendo que sua vida estava em risco, ele propôs um resgate sem precedentes, oferecendo encher um quarto de ouro e dois de prata em troca de sua liberdade.
Pizarro aceitou a oferta e, ao longo dos meses seguintes, os incas trouxeram quantidades imensas de ouro e prata de todo o império para Cajamarca. No entanto, mesmo após receber o resgate, Pizarro não libertou Atahualpa. Alegando que o imperador ainda representava uma ameaça ao domínio espanhol, ele foi julgado sob acusações forjadas de conspiração e idolatria. Em julho de 1533, Atahualpa foi condenado à morte e, para evitar ser queimado vivo, aceitou ser batizado e executado por estrangulamento.

A morte de Atahualpa foi um golpe devastador para o Império Inca, que já se encontrava enfraquecido pela guerra civil. Sem uma liderança clara, a resistência se fragmentou, facilitando a conquista espanhola.
A captura e execução de Atahualpa simbolizam não apenas a astúcia militar e política de Pizarro, mas também a brutalidade com que os conquistadores impuseram seu domínio sobre os povos indígenas das Américas.
A Conquista de Cusco e o Declínio do Império Inca
Em 1533, após a controversa execução de Atahualpa, Francisco Pizarro, à frente de uma expedição espanhola, avançou para Cusco, o coração pulsante do Império Inca. A marcha foi facilitada pela adesão de povos indígenas subjugados, que viam nos espanhóis a chance de se libertarem do jugo inca. Em 15 de novembro, Pizarro adentrou Cusco, encontrando a cidade praticamente deserta, com os seguidores de Atahualpa em retirada.
A cidade, outrora símbolo do poder inca, foi alvo de um saque meticuloso. Tesouros inimagináveis, em ouro e prata, foram extraídos de templos e palácios, com destaque para a profanação do Templo do Sol. Em um ato de manipulação política, Pizarro coroou Manco Inca Yupanqui como o novo Sapa Inca, mas sob a condição de que se tornasse um fantoche da coroa espanhola.
Em 1536, Manco Inca, percebendo a farsa da dominação espanhola, liderou um levante épico, reunindo um exército colossal para sitiar Cusco. Apesar da bravura e persistência dos incas, a superioridade tecnológica dos espanhóis, aliada à cavalaria e ao apoio de aliados indígenas, garantiu a defesa da cidade. Após meses de combates sangrentos, Manco Inca recuou para Vilcabamba, um vale remoto nas montanhas, onde estabeleceu o último bastião da resistência inca.
A luta pela independência se arrastou por mais de uma década, mas a cada dia, os espanhóis consolidavam seu poder. A queda de Cusco e a resistência subsequente marcaram o epílogo do Império Inca e o início de uma nova era, a do domínio colonial espanhol. Essa transição impôs transformações drásticas e duradouras nas estruturas sociais, culturais e econômicas da região, moldando de forma indelével a história da América do Sul.
A Morte de Francisco Pizarro
Após a conquista do Império Inca, Francisco Pizarro continuou sua carreira como líder colonial e governante da região peruana, mas enfrentou uma série de desafios internos e externos. Em 1533, Pizarro estabeleceu-se como governador do recém-conquistado Peru, fundando a cidade de Lima em 1535. Com o domínio espanhol consolidado, ele buscou aumentar sua riqueza pessoal e o controle sobre a região. No entanto, a sua liderança foi marcada por conflitos com outros conquistadores e disputas sobre o controle político e territorial.
Um dos maiores problemas enfrentados por Pizarro após a conquista foi a rivalidade com outros líderes espanhóis, como Diego de Almagro, que havia sido um aliado na conquista, mas que se sentiu traído por não receber as recompensas prometidas. Essa disputa culminou em uma guerra civil entre os seguidores de Pizarro e Almagro. Em 1538, após a derrota de Almagro e sua execução, Pizarro consolidou ainda mais seu poder na região.

No entanto, a paz foi curta. Em 1541, um grupo de inimigos de Pizarro, incluindo os filhos de Diego de Almagro, lideraram um ataque à residência do conquistador em Lima. Pizarro foi brutalmente assassinado no dia 26 de junho de 1541, com vários golpes de espada. Ele tinha 66 anos na época. Sua morte marcou o fim de sua era de domínio absoluto sobre o Peru, embora o controle espanhol sobre a região continuasse, com o império colonial se estabilizando nas décadas seguintes.
A morte de Pizarro foi um reflexo das intensas rivalidades internas entre os conquistadores e a instabilidade política que caracterizou os primeiros anos da colonização espanhola nas Américas.
Francisco Pizarro Herói Conquistador ou Genocida Implacável?
A figura de Francisco Pizarro é uma das mais controversas da história, polarizando opiniões sobre seu papel na conquista do Império Inca. Para alguns, ele é visto como um herói conquistador, um líder destemido que realizou um feito extraordinário ao derrubar um império poderoso e expandir o domínio espanhol no Novo Mundo. Para outros, Pizarro é considerado um vilão, responsável por massacres, destruição cultural e pela imposição de uma colonização brutal que resultou no sofrimento de milhões de nativos. Esta dicotomia tem sido explorada ao longo dos séculos, gerando diferentes interpretações, especialmente entre historiadores, peruanos e espanhóis.
Entre os historiadores, a visão sobre Pizarro tem evoluído ao longo do tempo. No período imediato à conquista, especialmente no século XVI, o ponto de vista europeu predominante tendia a glorificar as ações de Pizarro. Ele era visto como um herói militar, cujas façanhas eram dignas de reconhecimento e até de emulação. A narrativa vencedora, portanto, exaltava a coragem e a audácia do conquistador espanhol. No entanto, com o advento de novas correntes historiográficas, como o pós-colonialismo, muitos estudiosos passaram a destacar os aspectos negativos da conquista, como o genocídio indígena, a exploração e a imposição de uma cultura europeia sobre as populações nativas. A visão de Pizarro como herói começou a ser questionada, e muitos historiadores modernos enfatizam os métodos violentos usados pelos conquistadores, além do impacto devastador da colonização.
A percepção dos peruanos sobre Pizarro, especialmente no contexto atual, está fortemente ligada ao legado de opressão e exploração deixado pela conquista. Para muitos peruanos, Pizarro representa um símbolo de brutalidade e injustiça. O país, que foi o centro do Império Inca, viu sua sociedade tradicional desmoronar sob o domínio espanhol. A exploração de riquezas, a destruição de culturas indígenas e o genocídio resultante do contato com os europeus são lembrados com amargura. No entanto, ao longo dos séculos, também há um certo reconhecimento pela resistência que surgiu, como a figura de Manco Inca e os últimos focos de resistência no Vale de Vilcabamba. Nos dias atuais, Pizarro é amplamente visto no Peru como uma figura negativa, responsável por trazer um regime colonial que duraria quase 300 anos.

Por outro lado, na Espanha, Pizarro é ainda considerado uma figura central na expansão do império, sendo visto, por muitos, como um herói. A sua conquista do Império Inca é muitas vezes celebrada como parte do processo de expansão do império espanhol e da difusão da cultura europeia. Em alguns círculos, Pizarro é retratado como um ousado explorador, cuja coragem e habilidades táticas permitiram a vitória sobre um dos maiores impérios da época. No entanto, nos últimos anos, há um crescente reconhecimento da parte mais sombria da história colonial, e algumas discussões sobre a colonização e seus efeitos negativos têm sido mais abertas, resultando em uma abordagem mais crítica em relação às figuras como Pizarro.
Em síntese, a visão sobre Francisco Pizarro varia amplamente dependendo do ponto de vista histórico, geográfico e cultural. Enquanto os historiadores contemporâneos tendem a adotar uma visão mais equilibrada e crítica, destacando tanto os feitos militares quanto os aspectos negativos de sua conquista, os peruanos o consideram em grande parte um vilão devido ao impacto devastador que sua chegada teve sobre as culturas indígenas. Já na Espanha, apesar de uma consciência crescente sobre os abusos coloniais, Pizarro ainda é visto por muitos como um herói que contribuiu para o grande império espanhol.