História sendo escrita

Descobertas Arqueológicas Revelam Detalhes da Vida Romana nos Alpes

Entre maio de 2024 e março de 2025, uma escavação de salvamento conduzida pela Arqueologia Cantonal de Aargau, no norte da Suíça, trouxe à luz novas evidências sobre a vida na antiga Augusta Raurica, considerada a cidade romana mais bem preservada ao norte dos Alpes. Localizada em Kaiseraugst, próximo à atual Basel, às margens do rio Reno, a cidade foi fundada em 44 a.C. e floresceu como um importante centro comercial e administrativo do Império Romano, especialmente no século II d.C. A escavação, realizada em antecipação a um projeto de construção de edifícios residenciais, revelou uma rua romana, casas, sepulturas de bebês e artefatos raros, oferecendo um vislumbre detalhado da estrutura urbana e da vida cotidiana dos habitantes.

Planejamento e Contexto da Escavação

O projeto arqueológico foi motivado pela construção de dois lotes previamente não edificados, destinados a abrigar três prédios residenciais com garagem subterrânea compartilhada. A área, situada na parte baixa de Augusta Raurica, próxima a um conhecido cemitério romano tardio, foi previamente avaliada por levantamentos geofísicos em 2019 e sondagens em 2021 e 2023. Essas investigações permitiram um planejamento preciso da escavação, que abrangeu cerca de 1.800 m². Graças à colaboração do proprietário do terreno, o projeto de construção foi ajustado para preservar as sepulturas romanas tardias localizadas ao norte, garantindo um equilíbrio entre desenvolvimento moderno e conservação do patrimônio.

Leia mais sobre o Império Romano

Uma Rua Romana e a Organização Urbana

Um dos achados mais significativos foi um trecho de uma rua romana com aproximadamente 4 metros de largura, que passou por várias reformas ao longo do tempo. A via era ladeada por valetas de drenagem e por pórticos — passagens cobertas sustentadas por colunas —, evidenciando um planejamento urbano sofisticado. Ao longo da rua, foram descobertas construções residenciais conhecidas como casas em faixa (strip houses), caracterizadas por sua planta retangular alongada, com fachadas voltadas para a rua e quintais nos fundos. Essas casas, típicas das províncias romanas do noroeste, variavam em materiais: algumas eram de pedra, com porões bem preservados, enquanto outras eram estruturas mais simples de madeira, sustentadas por postes.

Os quintais das residências revelaram poços e fossos de pedra seca, cuja função — possivelmente como latrinas ou armazenamento — ainda está sendo investigada. A presença de diferentes tipos de construções sugere uma diversidade socioeconômica no bairro, com moradores de variados recursos compartilhando o mesmo espaço urbano.

Sepulturas de Bebês e Reflexões sobre a Mortalidade

Um achado comovente foi a descoberta de várias sepulturas de bebês, encontradas tanto no interior das casas quanto nos quintais. Essa prática, comum no mundo romano, reflete a alta taxa de mortalidade infantil da época e a tradição de sepultar recém-nascidos em ambientes domésticos, em vez de cemitérios públicos. Essas pequenas sepulturas, cuidadosamente dispostas, oferecem uma janela para os costumes funerários e o cuidado com os mortos, destacando a dimensão humana da vida em Augusta Raurica.

Artefatos Raros e a Vida Cotidiana

A ocupação do bairro começou no final do século I d.C. e se estendeu até o século III d.C., com evidências de uso posterior confirmadas por moedas e objetos romanos tardios. Entre os artefatos encontrados, destacam-se:

  • Uma estatueta de bronze de uma pantera, um objeto raro que pode ter tido significado decorativo ou ritual.
  • Um altar votivo de tufo, provavelmente usado em práticas religiosas domésticas.
  • Um fuso de vidro com mosaico colorido, um exemplo da habilidade artesanal romana.

Esses objetos, incomuns em escavações, fornecem pistas sobre as crenças, o comércio e a estética dos habitantes de Augusta Raurica, enriquecendo o entendimento da vida cotidiana e das práticas culturais na cidade.

Inovação na Documentação Arqueológica

Pela primeira vez, a Arqueologia Cantonal de Aargau realizou uma documentação totalmente digital da escavação. Todos os achados foram registrados digitalmente no local, e os dados foram diretamente inseridos em um banco de dados, garantindo precisão e eficiência. Esse método inovador estabelece um novo padrão para projetos arqueológicos, com potencial para ser adotado em outras regiões da Suíça e além.

Preservando o Passado, Construindo o Futuro

A escavação em Kaiseraugst, localizada a cerca de 80 km ao norte de Zurique, reforça a importância de Augusta Raurica como um dos sítios arqueológicos mais relevantes da Suíça. A colaboração entre arqueólogos, autoridades e desenvolvedores demonstra como é possível conciliar a preservação do patrimônio cultural com o progresso urbano. As descobertas não apenas ampliam o conhecimento sobre a estrutura urbana e os costumes de Augusta Raurica, mas também humanizam a história, conectando-nos aos moradores de uma cidade que, há quase dois mil anos, pulsava com vida às margens do Reno.

Fernando Rocha

Fernando Rocha, formado em Direito pela PUC/RS e apaixonado por história, é o autor e criador deste site dedicado a explorar e compartilhar os fascinantes acontecimentos do passado. Ele se dedica a pesquisar e escrever sobre uma ampla gama de tópicos históricos, desde eventos políticos e culturais até figuras influentes que moldaram o curso da humanidade."

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *