Inquisição: O que foi, Origem e Funcionamento
A Inquisição representa um dos capítulos mais controversos e complexos da história ocidental. Estabelecida como um conjunto de instituições judiciais dentro da Igreja Católica, a Inquisição tinha como objetivo principal identificar, julgar e punir os chamados hereges – pessoas cujas crenças ou práticas se desviavam da ortodoxia católica. O fenômeno inquisitorial não foi um evento isolado ou momentâneo, mas sim um processo histórico que se estendeu por séculos e abrangeu diversas regiões da Europa e posteriormente das colônias.
O que muitos não compreendem é que não existiu apenas uma Inquisição, mas várias inquisições em diferentes períodos históricos e contextos geográficos, cada uma com características próprias, ainda que compartilhassem a mesma base institucional e doutrinal. As mais conhecidas foram a Inquisição Medieval, a Inquisição Espanhola, a Inquisição Portuguesa e a Inquisição Romana (também chamada de Santa Inquisição).
Para entender adequadamente este complexo fenômeno histórico, é necessário analisar não apenas seus mecanismos de funcionamento e os processos inquisitoriais em si, mas também o contexto sociopolítico e religioso em que estes tribunais surgiram e operaram. Só assim podemos compreender como uma instituição que alegava defender a fé se tornou sinônimo de perseguição religiosa e intolerância ao longo dos séculos.
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As Origens da Inquisição: Contexto Histórico e Religioso
O Surgimento da Heresia Medieval
O nascimento da Inquisição está intrinsecamente ligado ao problema das heresias medievais que começaram a se disseminar pela Europa Ocidental durante os séculos XII e XIII. Em um contexto onde a Igreja Católica ocupava posição central na sociedade europeia, qualquer desvio doutrinário era visto não apenas como um problema religioso, mas também como uma ameaça à ordem social estabelecida.
Entre os principais movimentos considerados heréticos nesse período estavam os cátaros (ou albigenses), os valdenses, os beguinos e posteriormente os hussitas. O catarismo, em particular, ganhou forte adesão no sul da França e norte da Itália, representando um desafio significativo à autoridade eclesiástica. Estes movimentos frequentemente questionavam aspectos fundamentais da doutrina católica, como a eficácia dos sacramentos, a hierarquia eclesiástica e, em alguns casos, propunham interpretações radicalmente diferentes dos textos sagrados.
Estabelecimento dos Primeiros Tribunais
Foi nesse cenário de crescente pluralismo religioso e percepção de ameaça à unidade da fé que o Papa Gregório IX institucionalizou a Inquisição em 1231, através da bula papal “Excommunicamus”. Esta decisão marcou o início da chamada Inquisição Medieval ou Inquisição Papal, que atribuía aos frades dominicanos e franciscanos – ordens religiosas recém-fundadas – a tarefa de identificar, julgar e reconciliar os hereges com a Igreja.

Os primeiros tribunais inquisitoriais foram estabelecidos no sul da França, especialmente na região de Languedoc, epicentro do movimento cátaro. Após a brutal Cruzada Albigense (1209-1229), que utilizou meios militares para combater a heresia, a Inquisição surgiu como um mecanismo mais institucionalizado e jurídico para lidar com o problema.
É fundamental compreender que a Inquisição Medieval não surgiu de um vácuo histórico. Ela representou uma evolução dos procedimentos judiciais existentes na época, combinando elementos do direito romano com princípios do direito canônico. O próprio termo “inquisição” deriva do procedimento inquisitorial – método judicial no qual o juiz também exercia o papel de investigador – em contraste com o sistema acusatório tradicional.
A Inquisição Medieval: Estrutura e Funcionamento
Os Inquisidores e Seus Poderes
Na Inquisição Medieval, os inquisidores eram geralmente frades dominicanos ou franciscanos especialmente designados pelo papa para esta função. Eles recebiam amplos poderes para investigar, julgar e sentenciar suspeitos de heresia, muitas vezes sobrepondo-se à autoridade dos bispos locais – o que frequentemente gerava tensões dentro da própria estrutura eclesiástica.
Os inquisidores viajavam de cidade em cidade, anunciando sua chegada e concedendo um período de graça durante o qual os hereges podiam se confessar voluntariamente, recebendo penas mais brandas. Este sistema de autoacusação era um dos principais mecanismos para identificar hereges, já que os confessores eram frequentemente obrigados a denunciar outros membros da comunidade herética.
O Processo Inquisitorial Medieval
O processo inquisitorial medieval seguia um procedimento relativamente padronizado:
- Anúncio da inquisição em uma determinada localidade
- Concessão do período de graça para confissões voluntárias
- Coleta de denúncias e informações sobre possíveis hereges
- Intimação dos suspeitos para interrogatório
- Interrogatório dos acusados (por vezes com uso de tortura após 1252)
- Julgamento baseado nas evidências coletadas
- Pronunciamento das sentenças em cerimônias públicas chamadas autos de fé
Um aspecto controverso do procedimento inquisitorial era o costume de manter em segredo a identidade dos acusadores, o que tornava extremamente difícil para os acusados se defenderem adequadamente. Além disso, o sistema favorecia a obtenção de confissões, consideradas a “rainha das provas” no direito medieval.
Penas e Punições
Contrariamente à crença popular, a pena de morte não era a punição mais comum aplicada pela Inquisição Medieval. As sentenças variavam consideravelmente, incluindo:
- Penitências espirituais (orações, jejuns, peregrinações)
- Multas e confiscos de bens
- Prisão temporária ou perpétua
- Uso de símbolos de infâmia (como cruzes amarelas nas roupas)
- Excomunhão
- Relaxamento ao braço secular (entrega às autoridades civis para execução)
É importante notar que a Igreja não executava diretamente os condenados à morte. Estes eram “relaxados ao braço secular”, ou seja, entregues às autoridades civis para execução. Esta separação formal permitia que a Igreja mantivesse o princípio de que “a Igreja não derrama sangue” (Ecclesia non sitit sanguinem). Na prática, porém, o resultado final era o mesmo, com a maioria dos “relaxados” sendo executados, geralmente por meio da fogueira – considerada uma forma de purificação pelo fogo.
A Inquisição Espanhola: Um Modelo Único
Fundação e Características Distintivas
A Inquisição Espanhola, estabelecida em 1478 pelos Reis Católicos Fernando e Isabel com a aprovação do Papa Sisto IV, representou um modelo significativamente diferente das inquisições anteriores. Diferentemente da Inquisição Medieval, que era controlada diretamente pelo papado, a Inquisição Espanhola estava sob forte controle da Coroa espanhola, tornando-se um instrumento tanto religioso quanto político.

O contexto de seu estabelecimento estava intimamente ligado ao processo de unificação da Espanha e à questão dos conversos – judeus e muçulmanos convertidos ao cristianismo (conhecidos como cristãos-novos), muitos dos quais eram suspeitos de praticar secretamente suas antigas religiões. Esse fenômeno, conhecido como criptojudaísmo e criptoislamismo, constituía o principal alvo da Inquisição Espanhola em seus primeiros anos.
O Tribunal do Santo Ofício
O órgão central da Inquisição Espanhola era o Conselho da Suprema e Geral Inquisição (conhecido como “La Suprema”), presidido pelo Inquisidor-Geral. Este conselho coordenava a atividade de tribunais regionais estabelecidos por toda a Espanha e, posteriormente, em suas colônias americanas.
A estrutura administrativa da Inquisição Espanhola era complexa e bem organizada, contando com:
- Inquisidores – juízes principais que presidiam os tribunais
- Qualificadores – teólogos que avaliavam se determinadas declarações ou práticas constituíam heresia
- Familiares – leigos que serviam como auxiliares e informantes
- Comissários – representantes do tribunal em localidades distantes
- Notários – responsáveis pelo registro detalhado dos processos
Esta robusta estrutura burocrática tornou a Inquisição Espanhola uma das instituições mais eficientes da Espanha moderna, mantendo extensos arquivos e registros que hoje constituem fontes históricas valiosas.
Perseguição aos Cristãos-Novos
Durante seu primeiro século de existência, a Inquisição Espanhola concentrou seus esforços principalmente na perseguição aos cristãos-novos de origem judaica (conversos) suspeitos de praticar secretamente o judaísmo. Cidades como Toledo, Sevilha e Córdoba, que possuíam significativas populações conversas, foram centros importantes da atividade inquisitorial.
O fenômeno dos judaizantes (cristãos-novos que mantinham práticas judaicas em segredo) deve ser entendido no contexto da expulsão dos judeus da Espanha em 1492. Com esta medida drástica, os judeus espanhóis foram forçados a escolher entre a conversão ao cristianismo ou o exílio. Muitos dos que optaram pela conversão mantiveram aspectos de sua identidade e prática religiosa judaica em privado, tornando-se alvos preferenciais da Inquisição.
Práticas como a observância do Shabat, a abstenção de carne de porco, a celebração de festas judaicas ou mesmo a simples troca de roupas limpas às sextas-feiras podiam despertar suspeitas e desencadear investigações inquisitoriais.
A Inquisição Portuguesa e a Expansão Colonial
Estabelecimento e Particularidades
A Inquisição Portuguesa foi estabelecida em 1536, durante o reinado de D. João III, seguindo o modelo espanhol de uma inquisição nacional sob controle da Coroa. Assim como na Espanha, a questão dos cristãos-novos foi central para a criação do tribunal português, especialmente após a chegada de muitos judeus expulsos da Espanha.
Os principais tribunais foram estabelecidos em Lisboa, Coimbra, Évora e, mais tarde, em Goa (Índia portuguesa), este último sendo o único tribunal inquisitorial estabelecido na Ásia. A Inquisição portuguesa se destacou pela sua atuação não apenas na metrópole, mas também nos diversos territórios do império colonial português, incluindo o Brasil, onde, apesar de não existir um tribunal formal, foram realizadas diversas visitações inquisitoriais, especialmente na Bahia, Pernambuco e Pará.
Particularidades da Inquisição no Brasil Colonial
No Brasil, a ausência de um tribunal permanente não significou ausência da Inquisição. O modelo adotado foi o das visitações temporárias, durante as quais um representante do Santo Ofício percorria determinadas regiões coletando denúncias e realizando inquéritos. As principais visitações ocorreram na Bahia (1591-1593), em Pernambuco (1593-1595), no Grão-Pará (1763-1769) e no Rio de Janeiro (1605).
Além das visitações, a Inquisição portuguesa mantinha uma rede de comissários e familiares no Brasil, que atuavam como representantes permanentes do tribunal. Estes agentes tinham a função de receber denúncias, realizar investigações preliminares e enviar os suspeitos para julgamento em Lisboa, quando necessário.
No contexto colonial brasileiro, a Inquisição perseguiu não apenas os cristãos-novos, mas também praticantes de feitiçaria, bigamia, sodomia e proposições heréticas. Peculiaridades locais, como as práticas religiosas afro-brasileiras e indígenas, também foram objeto de atenção inquisitorial, classificadas geralmente como “feitiçaria” ou “pacto com o demônio”.
A Inquisição Romana e a Contrarreforma
Reformulação Inquisitorial no Contexto da Reforma Protestante
Em 1542, em resposta aos desafios da Reforma Protestante, o Papa Paulo III estabeleceu a Congregação da Sacra Romana e Universal Inquisição (também conhecida como Santo Ofício Romano), dando início à chamada Inquisição Romana ou Inquisição Italiana. Este novo tribunal tinha jurisdição sobre toda a Itália (exceto as repúblicas de Veneza e Gênova) e operava sob controle direto do papado.
A Inquisição Romana representou uma parte importante do movimento da Contrarreforma, o esforço católico para combater a expansão protestante e reformar internamente a Igreja. Seu foco principal era identificar e eliminar influências protestantes na Itália, mas também se ocupava de casos de magia, superstição, blasfêmia e outros delitos contra a fé.
O Índice dos Livros Proibidos
Uma das contribuições mais duradouras da Inquisição Romana foi a criação do Index Librorum Prohibitorum (Índice dos Livros Proibidos), estabelecido em 1559 pelo Papa Paulo IV. Esta lista de obras consideradas perigosas para a fé católica incluía tanto escritos protestantes quanto obras científicas, filosóficas ou literárias consideradas incompatíveis com a doutrina católica.
O Índice se tornou um instrumento de censura intelectual que persistiu por mais de quatro séculos, sendo finalmente abolido apenas em 1966, após o Concílio Vaticano II. Durante sua existência, o Índice incluiu obras de importantes pensadores como Galileu, Copérnico, Descartes, Pascal, Spinoza, Locke, Voltaire, Rousseau, Kant e muitos outros, limitando significativamente a circulação de ideias científicas e filosóficas em países católicos.
Casos Célebres: Giordano Bruno e Galileu Galilei
Entre os casos mais notórios da Inquisição Romana estão os processos contra os cientistas e filósofos Giordano Bruno e Galileu Galilei, que ilustram o conflito entre a nova ciência renascentista e a autoridade religiosa.

Giordano Bruno (1548-1600), filósofo e astrônomo italiano, foi processado pela Inquisição por suas ideias cosmológicas (como a infinitude do universo e a pluralidade dos mundos) e teológicas heterodoxas. Após um longo processo de oito anos, Bruno foi declarado herético impenitente e queimado vivo em Roma, no Campo dei Fiori, em 17 de fevereiro de 1600.
O caso de Galileu Galilei (1564-1642) é igualmente emblemático. Em 1633, o cientista foi forçado a abjurar sua defesa do sistema heliocêntrico de Copérnico, que colocava o Sol, e não a Terra, no centro do sistema solar. Embora tenha escapado da execução, Galileu foi condenado à prisão domiciliar pelo resto de sua vida, e suas obras foram incluídas no Índice dos Livros Proibidos.
Métodos e Procedimentos Inquisitoriais
O Uso da Tortura nos Interrogatórios
Um dos aspectos mais controversos da Inquisição foi o uso de tortura como método para obter confissões. A prática foi oficialmente autorizada pelo Papa Inocêncio IV em 1252, através da bula Ad Extirpanda, embora com restrições específicas: a tortura não podia causar morte ou mutilação permanente, e só podia ser aplicada uma vez (na prática, esta última restrição era frequentemente contornada considerando-se múltiplas sessões como “continuações” de uma mesma aplicação).

Os métodos de tortura variavam, mas incluíam principalmente:
- Garrucha (suspensão da vítima pelos braços atados atrás das costas)
- Potro (estiramento do corpo em um cavalete)
- Água (forçar o consumo de grandes quantidades de água)
- Estrapada (variante da garrucha com quedas bruscas)
É importante notar que, embora a tortura seja hoje associada principalmente à Inquisição, ela era um procedimento judicial comum em tribunais seculares da época. A diferença estava no fato de que a Inquisição geralmente aplicava regras mais estritas e documentava meticulosamente seu uso, enquanto tribunais civis frequentemente empregavam métodos mais severos com menos regulamentação.
Os Autos de Fé
Os autos de fé eram cerimônias públicas nas quais as sentenças inquisitoriais eram anunciadas e executadas. Particularmente elaborados nas inquisições ibéricas (espanhola e portuguesa), constituíam verdadeiros espetáculos públicos de afirmação do poder religioso e político.
Um auto de fé típico seguia um roteiro cuidadosamente planejado:
- Procissão dos penitentes vestindo sambenitos (vestes penitenciais)
- Celebração de missa solene
- Leitura pública das sentenças
- Abjuração dos réus reconciliados
- Entrega dos condenados à morte às autoridades civis
- Execução das sentenças capitais em local separado (normalmente fora da cidade)
Estes eventos, que podiam durar um dia inteiro e atrair milhares de espectadores, serviam não apenas como aplicação da justiça, mas como rituais pedagógicos que reforçavam a ortodoxia religiosa e demonstravam as consequências da heresia.
Vítimas e Alvos da Inquisição
Perfil das Vítimas ao Longo dos Séculos
Ao longo de seu funcionamento, a Inquisição perseguiu diversos grupos considerados desviantes da ortodoxia católica. Os principais alvos variaram conforme o período e o contexto geográfico:
- Inquisição Medieval: Principalmente movimentos heréticos como cátaros, valdenses e begardos; também acusados de bruxaria no fim da Idade Média.
- Inquisição Espanhola: Inicialmente focada em cristãos-novos de origem judaica (conversos); posteriormente, mouriscos (convertidos do islã), protestantes, alumbrados (místicos), bígamos e homossexuais.
- Inquisição Portuguesa: Similar à espanhola, com foco em cristãos-novos, mas também em casos de bigamia, sodomia e práticas mágicas ou supersticiosas.
- Inquisição Romana: Principalmente protestantes e seus simpatizantes; também filósofos, cientistas e livres-pensadores cujas ideias desafiavam dogmas católicos.

A Questão da Bruxaria
Contrariamente à crença popular, a perseguição à bruxaria não foi uma preocupação central da Inquisição durante a maior parte de sua história. De fato, nos primeiros séculos, muitos inquisidores eram céticos quanto à realidade da bruxaria e consideravam tais crenças como superstições.
A situação mudou no final do século XV, especialmente após a publicação do Malleus Maleficarum (O Martelo das Bruxas) em 1487, escrito pelos inquisidores dominicanos Heinrich Kramer e Jacob Sprenger. Este tratado, que fornecia métodos para identificar, julgar e condenar bruxas, contribuiu significativamente para a intensificação da caça às bruxas.
No entanto, é importante notar que a maioria dos julgamentos por bruxaria ocorreu em tribunais seculares ou em áreas protestantes, não sob jurisdição inquisitorial. Na Espanha e na Itália, onde a Inquisição era mais forte, a caça às bruxas foi relativamente limitada em comparação com regiões da Alemanha, França e Europa Central.
Os Templários e a Inquisição: Quando o Poder se Volta Contra os Guardiões da Fé
A Ordem dos Cavaleiros Templários, fundada no século XII para proteger os peregrinos na Terra Santa, tornou-se uma das instituições mais poderosas da cristandade medieval. Com status de ordem militar e religiosa, os Templários acumulavam riquezas, privilégios e influência bancária, o que os tornava respeitados e temidos em igual medida.
Filipe IV da França e o início da perseguição
No início do século XIV, o rei Filipe IV da França, profundamente endividado com os Templários, viu uma oportunidade de enfraquecer a ordem e se apropriar de seus bens. Em 13 de outubro de 1307, ele ordenou a prisão simultânea de centenas de templários em território francês. Foi nessa data que se originou a superstição em torno da sexta-feira 13.
As acusações lançadas contra os Templários incluíam:
- Heresia;
- Idolatria;
- Práticas obscenas nos rituais iniciáticos;
- Sodomia;
- Negação de Cristo e culto ao demônio.
Grande parte dessas confissões foi obtida sob tortura, com o apoio dos tribunais inquisitoriais franceses.
O papel da Igreja na extinção da Ordem
Embora o papa Clemente V inicialmente tenha tentado proteger a ordem, ele acabou cedendo à pressão política do rei francês. Em 1312, durante o Concílio de Vienne, a Ordem dos Templários foi oficialmente extinta. O grão-mestre da ordem, Jacques de Molay, foi condenado e queimado vivo em 1314, proclamando sua inocência até o fim.
Templários: vítimas da Inquisição ou de uma conspiração política?
Embora a Inquisição tenha sido utilizada no processo contra os Templários, a motivação principal da perseguição foi política e econômica, mais do que religiosa. No entanto, o uso do aparelho inquisitorial para legitimar as acusações contra a ordem é um exemplo emblemático de como o tribunal podia ser manipulado por interesses externos à Igreja.

A destruição da ordem marcou o fim de uma era e permanece até hoje envolta em mistérios, teorias conspiratórias e fascínio popular.
Declínio e Abolição das Inquisições
O Iluminismo e as Críticas à Inquisição
O movimento iluminista do século XVIII trouxe críticas contundentes aos métodos e à própria existência da Inquisição. Filósofos como Voltaire, Montesquieu e Diderot denunciaram a instituição como símbolo de obscurantismo e intolerância religiosa, incompatível com os ideais de razão e liberdade de pensamento.
A obra “Candide” de Voltaire (1759), por exemplo, contém uma famosa sátira do auto de fé realizado após o terremoto de Lisboa de 1755. Estas críticas iluministas contribuíram para deslegitimar a Inquisição no debate intelectual europeu, influenciando reformas políticas subsequentes.
O Fim das Inquisições Nacionais
O processo de abolição das várias inquisições foi gradual e coincidiu com profundas transformações políticas na Europa:
- A Inquisição Francesa foi a primeira a ser abolida, durante a Revolução Francesa, em 1794.
- A Inquisição Espanhola foi temporariamente abolida em 1808 durante a ocupação napoleônica, restaurada em 1814 com o retorno de Fernando VII, e definitivamente extinta em 1834 durante o governo liberal de María Cristina.
- A Inquisição Portuguesa foi abolida em 1821, após a Revolução Liberal do Porto.
- A Inquisição Romana (ou Santo Ofício) foi a única que sobreviveu, embora com poderes drasticamente reduzidos. Em 1908, foi renomeada para “Sagrada Congregação do Santo Ofício” e, após o Concílio Vaticano II, transformada na “Congregação para a Doutrina da Fé” em 1965, abandonando completamente os métodos inquisitoriais.
O Legado da Inquisição
Impacto Cultural e Histórico
O impacto da Inquisição sobre a sociedade e a cultura ocidentais foi profundo e duradouro. Entre os efeitos mais significativos estão:
- Emigração forçada de judeus e cristãos-novos da Península Ibérica, alterando significativamente a demografia e a economia de várias regiões.
- Censura intelectual que retardou o desenvolvimento científico e filosófico em países católicos, especialmente na Península Ibérica e na Itália.
- Impacto sobre a identidade cultural de vários países, com a criação de uma cultura de conformidade religiosa e desconfiança para com o “diferente”.
- Memória histórica que permanece viva no imaginário coletivo, muitas vezes através de representações exageradas ou distorcidas.
A Inquisição na Cultura Popular e na Arte
A Inquisição deixou marcas indeléveis na cultura popular e nas artes. Representações em pinturas, literatura, cinema e teatro frequentemente enfatizam os aspectos mais sombrios da instituição, como tortura e execuções. Obras como “Dossiê Inquisição” de Carlo Ginzburg, “O Nome da Rosa” de Umberto Eco, ou filmes como “O Poço e o Pêndulo” contribuíram para moldar a percepção pública do fenômeno inquisitorial.
Estas representações, embora nem sempre historicamente precisas, refletem o impacto psicológico profundo que a ideia da Inquisição continua a exercer como símbolo de repressão ideológica e perseguição religiosa.
Revisões Históricas Contemporâneas
A partir da segunda metade do século XX, historiadores começaram a revisar a história da Inquisição com base em pesquisas mais rigorosas nos arquivos inquisitoriais. Estudiosos como Henry Kamen, Stephen Haliczer e Francisco Bethencourt propuseram interpretações mais nuançadas, questionando algumas das visões mais extremas sobre a instituição.
Estas revisões não pretendem minimizar os abusos e sofrimentos causados pela Inquisição, mas situar o fenômeno em seu contexto histórico e evitar anacronismos. Entre as conclusões destas pesquisas recentes estão:
- O número de execuções foi significativamente menor do que sugerido por estimativas anteriores (embora ainda representem milhares de vidas).
- Os procedimentos inquisitoriais, embora severos pelos padrões modernos, eram muitas vezes mais regulamentados e menos arbitrários que os da justiça secular contemporânea.
- A Inquisição não foi um fenômeno monolítico, mas variou significativamente em diferentes períodos e regiões.
Conclusão: Lições da História Inquisitorial
A história da Inquisição nos oferece importantes lições sobre os perigos da intolerância religiosa e ideológica institucionalizada. O estudo deste fenômeno histórico nos ajuda a compreender como instituições criadas com o propósito declarado de “proteger a verdade” podem se transformar em instrumentos de opressão quando dotadas de poder coercitivo e isentas de controles externos.
O legado da Inquisição também nos alerta para as consequências potencialmente devastadoras da fusão entre poder religioso e político, e para os riscos de subordinar direitos individuais a concepções absolutas de verdade ou ortodoxia. No mundo contemporâneo, onde conflitos religiosos e ideológicos persistem, estas lições permanecem relevantes.
Por fim, compreender a complexidade histórica da Inquisição – evitando tanto a demonização simplista quanto a relativização de seus abusos – é essencial para uma reflexão madura sobre como sociedades lidam com a diversidade de crenças e opiniões, e sobre os mecanismos institucionais necessários para prevenir a perseguição ideológica em todas as suas formas.
E você, já conhecia todos estes aspectos da história da Inquisição? Compartilhe nos comentários sua opinião ou algum fato interessante sobre este tema que não foi abordado no artigo. Seu conhecimento e perspectiva podem enriquecer ainda mais esta discussão histórica!
FAQ sobre a Inquisição
O que foi exatamente a Inquisição?
A Inquisição foi um conjunto de instituições judiciais criadas pela Igreja Católica para identificar, julgar e punir pessoas acusadas de heresia (desvios da doutrina católica). Não existiu apenas uma Inquisição, mas várias em diferentes épocas e regiões, incluindo a Inquisição Medieval (século XIII), a Espanhola (1478-1834), a Portuguesa (1536-1821) e a Romana (1542-1965).
O que era a Lenda Negra da Inquisição?
A Lenda Negra exagerou a crueldade da Inquisição, especialmente a Espanhola, como propaganda anticatólica.
Quantas pessoas foram mortas pela Inquisição?
O número exato de execuções é difícil de precisar devido a registros incompletos. Pesquisas históricas modernas estimam que a Inquisição Espanhola, a mais estudada, executou entre 3.000 e 5.000 pessoas em seus 356 anos de existência. Este número é significativamente menor que as estimativas anteriores, mas ainda representa milhares de vítimas fatais.
A Inquisição foi responsável pela caça às bruxas na Europa?
Contrariamente à crença popular, a maioria dos julgamentos por bruxaria ocorreu em tribunais seculares ou em áreas protestantes, não sob jurisdição inquisitorial. Nas regiões onde a Inquisição era mais forte, como Espanha e Itália, a caça às bruxas foi relativamente limitada em comparação com outras partes da Europa.
Como funcionava um processo inquisitorial?
Um processo inquisitorial típico começava com denúncias (muitas vezes anônimas), seguidas de interrogatórios do acusado e testemunhas. Se as evidências fossem consideradas suficientes, o acusado poderia ser submetido à tortura para obter confissão. Finalmente, o tribunal pronunciava a sentença, que poderia variar de penitências espirituais leves até a relaxação ao braço secular (entrega às autoridades civis para execução).
Qual foi o principal grupo perseguido pela Inquisição Espanhola?
Inicialmente, o principal alvo da Inquisição Espanhola foram os cristãos-novos de origem judaica (conversos) suspeitos de praticar secretamente o judaísmo após sua conversão forçada. Posteriormente, a Inquisição também perseguiu mouriscos (muçulmanos convertidos), protestantes, homossexuais e pessoas acusadas de bigamia, blasfêmia ou superstição.
Quais eram as punições mais comuns aplicadas pela Inquisição?
Contrariamente à imagem popular, a execução não era a punição mais comum. As sentenças incluíam penitências espirituais (orações, jejuns), multas, confisco de bens, prisão temporária ou perpétua, uso de símbolos de infâmia (como o sambenito) e, apenas nos casos mais graves, a relaxação ao braço secular para execução, geralmente na fogueira.
A Inquisição atuou no Brasil?
Sim, embora não tenha existido um tribunal permanente da Inquisição no Brasil colonial. O Santo Ofício português realizou “visitações” temporárias ao Brasil, principalmente na Bahia (1591-1593), em Pernambuco (1593-1595) e no Grão-Pará (1763-1769). Além disso, muitos brasileiros foram denunciados e enviados para julgamento em Lisboa.
A Inquisição ainda existe hoje?
Não na forma original. A última Inquisição a ser formalmente abolida foi a Romana, que em 1908 foi renomeada para “Sagrada Congregação do Santo Ofício” e, após o Concílio Vaticano II, transformada na “Congregação para a Doutrina da Fé” em 1965. Esta instituição moderna lida com questões doutrinárias, mas não possui os poderes coercitivos ou judiciais da antiga Inquisição.
Por que a Inquisição acabou?
O Iluminismo, revoluções liberais e a secularização levaram ao fim da Inquisição no século XIX.
A Igreja pediu desculpas pela Inquisição?
Sim, em 2000, o Papa João Paulo II pediu perdão pelos abusos cometidos durante a Inquisição.