Descoberta de Túmulo de 5.000 Anos Revela o Papel das Mulheres na Antiga Civilização Caral

A civilização Caral, considerada a mais antiga das Américas, floresceu entre 3000 e 1800 a.C. na região costeira do Peru, em total isolamento de outras culturas globais da época, como o Egito Antigo e a Suméria. Recentemente, uma descoberta arqueológica no sítio de Áspero, uma antiga cidade pesqueira associada a Caral, revelou novos detalhes sobre a organização social dessa sociedade, destacando o papel central das mulheres em sua hierarquia. Liderada pela Dra. Ruth Shady Solís e sua equipe da Zona Arqueológica Caral (ZAC), a escavação trouxe à tona o túmulo de uma mulher de elite, cujos restos e oferendas funerárias oferecem uma janela para a sofisticação cultural e as redes de troca de Caral.

A Descoberta do Túmulo

O sepultamento foi encontrado na Huaca de los Ídolos, um edifício cerimonial em Áspero, localizado na província de Barranca, cerca de 180 km ao norte de Lima. A mulher, com idade estimada entre 20 e 35 anos e aproximadamente 1,5 metro de altura, foi enterrada com um cuidado excepcional, refletido na preservação de sua pele, cabelos e unhas — uma raridade em contextos arqueológicos da região. Seu corpo foi envolto em camadas de tecidos de algodão, esteras de junco e um impressionante manto adornado com penas de arara, considerado um dos exemplos mais antigos de arte plumária nos Andes. Um toucado de fibras entrelaçadas completava o arranjo, reforçando seu status elevado.

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Acompanhando a mulher, foram encontradas oferendas funerárias dispostas em dois níveis. No nível inferior, havia cestos de junco, uma agulha de osso com gravações detalhadas, uma concha de caracol amazônica, um bico de tucano decorado com contas verdes e marrons, ferramentas de tecelagem, uma rede de pesca, um pedaço de tecido de lã e cerca de trinta batatas-doces. No nível superior, foram depositados recipientes de cabaça em forma de garrafa e outra cesta sobre uma esteira de totora. Esses objetos, muitos provenientes de regiões distantes como a Amazônia e as terras altas dos Andes, evidenciam as extensas redes de troca mantidas pela civilização Caral, que conectavam comunidades em um sistema de interação pacífica e mutuamente benéfica.

A Sofisticação Cultural de Caral

A presença do manto de penas de arara é particularmente significativa, pois demonstra o domínio de técnicas especializadas e a valorização estética na civilização Caral. A arte plumária, raramente preservada em sítios arqueológicos, sugere não apenas habilidade artesanal, mas também um simbolismo cultural profundo, possivelmente associado ao prestígio social ou a práticas rituais. Outros itens, como a concha amazônica e as ferramentas de tecelagem, indicam que a mulher desempenhava funções importantes, talvez relacionadas à produção têxtil ou ao comércio, atividades centrais na economia de Áspero.

A riqueza e a diversidade das oferendas apontam para a existência de uma elite bem definida em Caral, na qual as mulheres ocupavam posições de destaque. Essa descoberta alinha-se a achados anteriores no mesmo sítio, como o túmulo da “Senhora dos Quatro Tupus” (2016) e do “Homem de Elite” (2019), encontrados a poucos metros de distância. A proximidade desses sepultamentos, todos datados do mesmo período de ocupação, sugere uma prática de enterrar figuras de alto status em áreas específicas, um padrão que ecoa em sítios posteriores, como La Galgada, na região de Áncash.

O Papel das Mulheres na Sociedade Caral

O túmulo da mulher de Áspero reforça a hipótese de que as mulheres desempenhavam papéis de liderança na civilização Caral. A cuidadosa preparação do sepultamento, a qualidade dos objetos depositados e a presença de itens associados a atividades produtivas, como tecelagem e pesca, indicam que essas mulheres não apenas ocupavam posições cerimoniais, mas também contribuíam ativamente para a economia e a organização social. Essa visão desafia narrativas tradicionais que frequentemente minimizam a participação feminina em sociedades antigas, destacando a complexidade e a igualdade de gênero em Caral.

Atualmente, uma equipe multidisciplinar analisa os restos mortais e os artefatos para obter mais informações sobre a saúde, dieta e causa da morte da mulher, além do significado sociocultural dos objetos que a acompanharam. Essas análises prometem aprofundar o entendimento sobre a vida cotidiana e as práticas rituais em Áspero, um assentamento de 18,8 hectares que abrigava 22 complexos arquitetônicos e prosperava graças à pesca e ao comércio de longa distância.

Áspero: De Lixão a Patrimônio Cultural

Antes das escavações iniciadas pela ZAC em 2005, Áspero era usado como depósito de lixo municipal, o que comprometia sua preservação. Após duas décadas de trabalho arqueológico, o sítio foi transformado em um importante recurso turístico e econômico, promovendo o desenvolvimento local e fortalecendo a identidade cultural da região. Sua localização estratégica, a apenas 700 metros do oceano Pacífico, e sua conexão com Caral, um Patrimônio Mundial da UNESCO, destacam sua relevância histórica.

Para celebrar os 20 anos de pesquisas em Áspero, a ZAC organiza o Áspero Raymi 2025, um evento cultural marcado para 2 e 3 de maio, com atividades que visam valorizar o patrimônio arqueológico e transmitir os valores sociais da civilização Caral.

Conclusão

A descoberta do túmulo de uma mulher de elite em Áspero ilumina a complexidade da civilização Caral, revelando uma sociedade com redes de troca avançadas, técnicas artesanais sofisticadas e uma estrutura social que valorizava a liderança feminina. Esse achado não apenas enriquece o conhecimento sobre o passado andino, mas também reforça a importância de proteger e valorizar o patrimônio arqueológico como um símbolo de identidade e progresso para as comunidades atuais.

Fonte: Ministério de Cultura do Perú